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Professor concede entrevista à Abrac sobre curso de Licitações Públicas e Certificações da Unicamp

Na ocasião, Álvaro Capagio falou também sobre a Nova Lei de Licitações e Contratos

Nos dias 2, 3 e 7 de maio, a Diretoria Geral de Administração (DGA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) realizou um curso com o tema “Licitações Públicas e Certificações: Qualidade do gasto público”, abordando também a Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei 14133/2021).

O curso apresentou o panorama das certificações e outros mecanismos de avaliação da conformidade e da acreditação nas contratações públicas e suas possibilidades técnicas e jurídicas. Para falar mais sobre o curso e seu conteúdo, a Associação Brasileira de Avaliação da Conformidade (Abrac) conversou com o instrutor, Regulador Federal e professor de Direito, Álvaro Capagio.

Leia na íntegra a entrevista:

Abrac – Como enxerga o papel das certificações e dos mecanismos de avaliação da conformidade nas contratações públicas, especialmente considerando a aplicação da Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei 14133/2021)?

Álvaro Capagio – As contratações públicas são tradicionalmente caracterizadas pela assimetria de informações entre o fornecedor e a Administração Pública (contratante), de maneira que os profissionais da Administração responsáveis pela elaboração de especificações técnicas e fiscalização de contratos usualmente não possuem ferramentas propícias para exigir o nível de qualidade considerado ótimo. É perfeitamente possível que um produto ou serviço ruim cumpra as especificações técnicas, pois muitas vezes a má qualidade decorre de aspectos construtivos decorrentes da tecnologia de materiais ou processos produtivos não alcançados pelas descrições constantes em manuais. Nesse ponto, a avaliação da conformidade é uma poderosa solução, pois oferece ao contratante o adequado grau de confiança de que os requisitos especificados em normas técnicas ou regulamentos são cumpridos na fabricação do produto ou prestação do serviço, possibilitando-se tranquilidade à Administração e segurança ao fiscal de contrato no ato de recebimento. A exigência de certificações em contratações públicas sempre foi matéria bastante polêmica e passível de responsabilização dos agentes públicos. Porém, a nova Lei de Licitações e Contratos, alinhada com as diretrizes de uma Administração Pública moderna, dinâmica e conectada com a realidade do mercado, permite expressamente a exigência de certificações.

Abrac – Durante o curso, quais foram os principais desafios enfrentados pelos participantes ao aplicar os conceitos apresentados sobre certificações e avaliação da conformidade nas contratações públicas?

Álvaro Capagio – A dificuldade inicial relaciona-se à diferenciação entre os diversos mecanismos de avaliação da conformidade. Comumente, tudo que se refere à avaliação da conformidade é compreendido pelas pessoas como “certificação”. Outra dificuldade refere-se à forma de contratação dos organismos de avaliação da conformidade e como os fiscais de contrato devem proceder. Outro ponto importante concerne ao documento onde essas exigências devem ser explicitadas. Além de constar no edital, Projeto Básico/Termo de Referência e Contrato, é imprescindível que a exigência de certificação ou outros mecanismos de avaliação da conformidade seja fundamentada no Estudo Técnico Preliminar.

Abrac – Como a sua experiência como membro do Comitê Brasileiro de Normalização e do Comitê Brasileiro de Avaliação da Conformidade influenciou o conteúdo e a abordagem do curso?

Álvaro Capagio – A atuação nos comitês possibilitou-me o compartilhamento de conhecimentos e experiências com a elite técnica dessa matéria, em razão do elevado grau de formação e experiência dos membros dos comitês, responsáveis pela elaboração da política industrial do Brasil. Os comitês discutem os diversos vetores de interesses afetos ao governo, agências reguladoras, setores industriais e consumidores, nos temas de máxima importância para a normalização e avaliação da conformidade de produtos, sistemas e serviços. Essa experiência me possibilitou o conhecimento do panorama nacional e internacional sobre qualidade e segurança de produtos e serviços, inclusive mediante diálogo com autoridades estrangeiras e assimilação das experiências e boas práticas implementadas em outros países.

Abrac – Poderia compartilhar algumas estratégias ou boas práticas discutidas no curso para a implementação de programas de conformidade de contratações públicas em instituições como a Unicamp?

Álvaro Capagio – A Unicamp possui quadros de excelência, pessoal de alto nível técnico, o que sem dúvida facilita a implementação de inovações. Inclusive tive a surpresa de conhecer, dentre os servidores da Universidade, dois especialistas do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade na área de engenharia clínica. Uma boa prática que enfatizei é trazer ao edital informações destacadas sobre a exigência de certificações, quando isso ocorrer, evitando-se a frustração da licitação, haja vista que muitas vezes os licitantes não leem o edital, principalmente quando o objeto se refere a conteúdo repetitivo. A certificação pode ser uma surpresa para muitos, daí ser importante enfatizar essa obrigação. Outras boas práticas já têm sido efetuadas pela Unicamp, que tem projeto inovador sobre análise multicritério para tomada de decisão e análise de riscos da licitação.

Abrac – Qual é a importância da fase preparatória das contratações, incluindo a elaboração do Estudo Técnico Preliminar, Termo de Referência e Mapa de Riscos, na busca por contratações mais vantajosas e eficientes para as instituições públicas?

Álvaro Capagio – Essas ferramentas são essenciais, além de constituírem obrigação legal. O Estudo Técnico Preliminar é o instrumento que possibilita pensar sobre a adequação e viabilidade dos requisitos levados a efeito na futura contratação, como a certificação. É o ato destinado a evitar a prática do “copia e cola”, a fim de que o planejamento da licitação seja aderente às melhores referências e atualidade do mercado. O Termo de Referência deve conter de maneira clara as especificações técnicas, evitando-se conteúdos imprecisos ou de difícil verificação pelo fiscal de contrato. De nada adianta um Termo de Referência com especificações altamente rigorosas se o fiscal de contrato não tem condições de verificar se o produto recebido ou serviço prestado cumpre essas especificações. Nesse ponto, a certificação é importante aliada. Quanto ao Mapa de Riscos, é instrumento que mensura a projeção de cenários, evitando-se surpresas que paralisem a Administração. Uma vez concretizado o evento previsto no mapa, a Administração já tem prévio conhecimento sobre o agente público responsável por monitorá-lo e quais as medidas por serem efetivadas para neutralizar ou minimizar seus efeitos. Com base nesses instrumentos, a Administração Pública deixa de trabalhar “apagando incêndios” e passa a atuar com inteligência e estratégia.

Abrac – Quais são os principais obstáculos que as instituições enfrentam ao implementar programas de conformidade de contratações públicas, e como esses obstáculos podem ser superados?

Álvaro Capagio – Invariavelmente, independentemente das características, atividades e tamanho da organização, observo que o maior obstáculo é sempre cultural. As pessoas naturalmente têm aversão às mudanças. Para a superação desse obstáculo, o principal vetor é o exemplo da liderança. No caso da Unicamp, a Diretoria Geral de Administração assumiu posição de vanguarda e a instituição tem atuado inclusive na capacitação de outros órgãos e entidades da Administração Pública, ocupando posição de referência na aplicabilidade da Nova Lei de Licitações. Quando as pessoas observam o engajamento dos líderes, são guiadas pela força do exemplo. Comumente haverá pessoas que permanecerão relutantes ou indiferentes a esse movimento, em razão de traços de personalidade, mas observo que em todas as instituições a maioria segue o exemplo da alta direção quando esse papel é exercido por pessoas preparadas, sérias e comprometidas com a causa do serviço público.

Abrac – Quais são as principais mudanças trazidas pela Nova Lei de Licitações e Contratos que os participantes do curso precisam estar cientes para garantir uma aplicação eficaz e em conformidade com a legislação?

Álvaro Capagio – As principais mudanças trazidas pela Nova Lei de Licitações e Contratos que se relacionam à avaliação da conformidade, a meu ver, referem-se à previsão expressa da exigência de certificações e outros mecanismos de avaliação da conformidade por instituição acreditada. Essa inovação traz segurança jurídica para o gestor público, pois uma das principais razões pelas quais os órgãos de controle, principalmente os tribunais de contas, tinham ressalvas quanto ao uso de certificações em licitações públicas era a falta de previsão legal. Outra inovação bem-vinda é a previsão explícita da exigência de amostras em licitações, o que já era uma praxe, porém agora respaldada em regra contida na Lei Geral de Licitações. Por fim, a pré-qualificação é procedimento auxiliar bastante poderoso e eficaz, pois a licitação pode ser restrita a licitantes ou bens pré-qualificados. Portanto, imagine-se que a Administração realize procedimento de pré-qualificação de produtos certificados, e após isso engendre uma licitação restrita àqueles aceitos na pré-qualificação. Obviamente, o risco de uma surpresa na licitação, com a apresentação de proposta que não satisfaça as especificações técnicas, seria muito reduzido. Ademais, ao exigir a certificação, a Administração não sabe quem vencerá a licitação, mas sabe que, independentemente de quem seja o vencedor, a contratação será exitosa, oferecendo-se o adequado nível de confiança acerca da qualidade e segurança do objeto contratado, o que é o pilar do sistema de avaliação da conformidade.

Abrac – Gostaria de acrescentar mais alguma informação?

Álvaro Capagio – Tenho mais de duas décadas de experiência em licitações públicas, tendo atuado em diversas frentes como setor solicitante, comissão de licitações, fiscalização de contrato, comissão de apuração de responsabilidade contratual, comissão técnica, comissão de outorga e controle interno, e durante muitos anos desempenhei esforço árduo para efetuar boas contratações, em vista das amarras legais contidas na Lei nº 8.666/93, que não prestigiava o gestor público engajado e inovador. A Lei nº 14.133/2021, Nova Lei de Licitações e Contratos, traz inovações que asseguram o adequado nível de qualidade e segurança das contratações. Obviamente, não é tarefa fácil, pois essas inovações requerem estudo e esforço. No regime da lei anterior, porém, mesmo com muito estudo e esforço muitas vezes o resultado frustrante acontecia, firmando-se contratações ruins, o que era muito desanimador. A nova lei rompe esse paradigma e se conecta com as melhores práticas do mercado, é uma lei que dialoga com a realidade. Existem muitas críticas, em muitos órgãos e entidades, sobre a obrigação de realização do Estudo Técnico Preliminar, da Análise de Riscos, da Centralização de Compras, mas são exatamente esses institutos que propiciarão à Administração a efetiva transformação da realidade, a fim de que o Poder Público funcione de maneira inteligente. Muito dessa relutância decorre também de desinformação, pois esses instrumentos devem ser realizados de acordo com a tecnicidade, volume e valor da contratação. A proporcionalidade deve ser sempre um guia para as escolhas públicas e suas formas de agir.

Fonte: Assessoria de imprensa da Abrac.